Publicado nesta quarta-feira (23/10), o oitavo episódio do Saber em Movimento traz uma pesquisa da Escola de Música que combina uma abordagem interdisciplinar. O podcast de ciência da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) traz o professor Luiz Naveda como seu convidado.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e junto ao professor Loque Arcanjo, também da Escola de Música, o professor Luiz Naveda busca interpretar representações visuais em obras de pintores do século XIX, como Johann Moritz Rugendas e Augustus Earle. As obras trazes pessoas escravizadas em danças populares, como a capoeira, como nos quadros "Dança de guerra ou jogar capoeira", de Rugendas, e "Negros combatendo", de Earle.
Naveda identifca as posturas corporais presentes nas obras e busca compará-las com as posturas vistas hoje, também em danças populares. Para isso, ele faz gravações e identifica os ângulos formados pelos corpos.
"Eu pego esse corpo, um corpo que tá dançando capoeira, que tá tocando instrumento, que tá girando, e comparo com gravações de movimento de manifestações de hoje. Eu gravo as pessoas dançando, com sistemas de captura de movimento altamente especializados, pra ver se aquele corpo que está se movendo ali é encontrado em alguma parte dessas gravações. Então, eu estou usando parte de evidência objetiva e qualitativa e parte de imaginação e hipotetização desses ambientes do passado para tentar recriar esse corpo e essa cultura que foi dizimada", afirma o pesquisador.
O trabalho envolve diferentes áreas do conhecimento, especificamente a historiografia, a musicologia, a iconografia e a computação de movimento. Isso permite que o professor identifique padrões que se repetem, que podem estar associados a ritmos ou estilos musicais específicos. Além disso, ao partir do corpo, especialmente o corpo negro, a pesquisa questiona as balizas que definem quais saberes são ou não legítimos.
"Eu tô tentando, como brasileiro, imaginar um passado que nos é de direito imaginar, a partir de corpos que foram mortos e a partir de corpos que estão vivos ainda", diz Naveda.
Ao longo do episódio, o pesquisador também reflete sobre o olhar crítico que precisou adotar durante a pesquisa, para interpretar as posturas corporais, tanto nas pinturas, quanto nas gravações de movimento. O Saber em Movimento também traz mais uma Estação Editora UEMG, com a indicação do livro "Música, transversalidade: volume 4", e faz um convite para a 2ª Feira do Livro de Acesso Aberto.
O podcast de ciência da UEMG apresenta projetos de pesquisa a partir de uma linguagem democrática e acessível, com atenção especial às suas amplitudes práticas, assim como aos seus resultados e desdobramentos. Ele está disponível no Spotify, Deezer, Amazon Music e Apple Podcasts; clique aqui e ouça o Saber em Movimento.
"Eu nunca escolhi ser pesquisador, porque nunca deixei de ser"
Doutor em Ciências da Arte pela Universidade de Gent, na Bélgica, mestre em Performance Musical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e graduado em Música pela UEMG, o professor Luiz Naveda (foto à direita) é líder do grupo de pesquisa Corpuslab. Seus interesses de pesquisa são bastante amplos e passam pelas relações social, psicológica, cultural e econômica entre o som e a música.
O pesquisador afirma que não escolheu, exatamente, tornar-se um pesquisador, mas acabou se rendeu ao ambiente científico. "Eu sempre me aproximei de uma materialidade artística, seja no desenho, na escultura de papel e, finalmente, na música. Entretanto, no colégio técnico da UFMG, fui conduzido por uma grande influência no modo como meu pensamento científico se cristalizou. Como um colégio radicalmente empírico, nós éramos apresentados a experimentos, procedimentos e métodos científicos, antes de qualquer formulação teórica sobre a ciência. Reinventávamos a ciência todo dia, como um exercício trivial. Tão trivial que, durante o colégio técnico, eu optei por mudar completamente a direção ao me matricular no bacharelado em música", afirma.
Dali em diante, o professor retomou uma relação profunda com a ciência, no mestrado e doutorado. O pesquisador explica ter entendido que seu pensamento metodológico em relação à ciência e aos problemas que tinha que enfrentar e resolver, no campo das artes, era tão natural quanto a expressão artística: "Tomando a resposta de outra forma, eu nunca escolhi ser pesquisador porque nunca deixei de ser. Eu simplesmente me rendi ao modo como eu sempre observei o mundo".